quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O CENSO DE HUMOR

A célebre foto de Art Shay, de 1952, com a escritora, filósofa existencialista e feminista francesa Simone de Beauvoir nua de costas num banheiro, foi removida várias vezes do site Facebook, no Brasil, por ser considerada "abuso" e/ou "material pornográfico". São removidas porque pessoas acusam e denunciam a página por considerá-las "ofensivas". Pelo mesmo motivo já foram denunciadas, e por isso, bloqueadas pelo site, páginas que postaram mães amamentando. 
Alexandre Pires já foi acusado de racismo por colocar pessoas fantasiadas de macaco num clipe; 
Ronaldo Fraga foi acusado de racismo por ter usado palha de aço como adereço de cabelo nas modelos;
O Porta dos Fundos foi processado por “vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”; 
E a mais recente: Emicida sendo alvo de insultos por feministas que interpretaram sua canção "Trepadeira", como machista.

Um idiota pode falar que "Jesus matou John Lennon" e "Caetano fez pacto com o diabo" (conhecido vídeo no Youtube de Feliciano em de seus cultos) e não se pode fazer humor com o nome Jesus, justamente para COMBATER esse tipo de absurdo.
"Faça humor, não faça a guerra". Engraçado, nunca entendi um sem o outro.

Já disse uma vez e repito:
Houve uma época em que a censura no Brasil era feita pelos militares. Eles eram minoria.
Hoje a censura no país é feita pelos imbecis. Eles foram, são e sempre serão, maioria avassaladora.

A ficção só poderá ter limites, quando a VIDA real também tiver.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Auto-Tóchico

Esses dias li um texto, desses que parece auto-ajuda de gente que se machucou pouco quando era criança,  ou trepa no escuro, que dizia algo como "existem pessoas que são arrogantes, invejosas, manipuladoras, egocêntricas, amarguradas, rancorosas, pessoas que não conseguem ver o sucesso ou a felicidade de alguém, que ficam minando todos os seus relacionamentos e blá, blá, blaaaaaa". Ufa! Isso tudo pra falar que EXISTEM PESSOAS TÓXICAS. 
Aí eu pensei: "Eu sou um cara tóxico". Sim, para determinadas pessoas (em especiais as mais conservadoras) eu sou um veneno com caveirinha no rótulo, e no entanto, creio eu que não chegue nem perto dessa "pessoa terrível" que ela criou. Aliás, preciso lembrar que existem muitas pessoas que gostam de mim exatamente do meu "jeito tóxico" de ser. 
Outro exemplo que posso citar é Malafaia. Acho esse cara um perigo ambulante para a humanidade..... mas existem milhares de pessoas que o idolatram. O inverso também. Jesus, hoje inquestionável para grande parte da humanidade, apanhou pra cacete e morreu lá, penduradão na cruz, com toda a "humanidade" olhando, provavelmente por que alguém achou o magrão um ser tóxico.
Será que essa pessoa nunca imaginou que ela pode ser "tóxica" para alguém? O que quero dizer é que o fato de alguém achar isso de outro alguém, não o transforma nisso que ela enxerga. 
Essa mesma pessoa que ela acha isso tudo, pode ser, pra mim, um cara muito bacana. E claro, aquela amiga que ela mais ama eu a acho "arrogante, invejosa, manipuladora e quá quá quá". A gente tem é que parar de jogar a culpa no olho gordo do inimigo e assumir que: Se vc não gosta do cara, não compartilha ideias ou cervejas com o cara,  vc só não gosta e não compartilha ideias ou cerveja com o cara. Só isso!
O que é tóxico pra vc pra mim pode ser Biotônico Fontoura.
O que pode ser lindo, doce e puro pra vc, pra mim pode ser só mais uma frase feita... Algo extremamente tóxica pra mim, rs

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

BOBOS, ROUBOS E ROBÔS

"Então eu soube. Ela se chamava Norma. De normas, vocês sabem, o inferno está cheio" Paulo Leminski

BOBOS, ROUBOS e ROBÔS

Estou naquelas poltronas da saída de emergência dos aviões. Nunca  gostei de sentar aqui por que a poltrona não reclina, e também por que sempre perguntam "se vc não estiver apto a operar ...blá blá blá, vc não deve ficar aí". É claro que não estou apto a isso. Se o avião estiver caindo eu vou é estar gritando e me cagando todo, e não vou conseguir ajudar ninguém. Mas o fato de estar aqui é por que não tinha mais poltronas livres no avião, e por coincidência, as 6 da minha fileira estavam vagas. Sentei em uma delas. Sentei no meio, lugar que também não gosto. Prefiro o corredor, pra poder ir ao banheiro sem incomodar a pessoa ao lado. Mesmo assim nesse meu "habitat" estranho, eu estava aliviado e feliz por estar ali.
Estava feliz por que era um vôo que eu já tinha dado como perdido, e também descobri que somos poucos, muito poucos. Que apesar de sermos minoria, os robôs não estão sós nesse mundo.
Inevitável não pensar em filmes como "Tempos Modernos" do Chaplin, ou "Blade Runner" de Ridley Scott, com o que aconteceu comigo no dia 4 de agosto de 2013 no aeroporto de Curitiba.
Cheguei bem tranquilo no aeroporto, apesar de muito cansado, depois de uma semana de muito traalho. Entrei na fila pra despachar minha imensa mala que fui obrigado a fazer por ter que apresentar 1 evento de 3 dias (em trajes esporte, social e black tie) e mais um show de música, que podia ser do jeito que eu quisesse, mas pra compensar tinha equipamento de som (cabos, instrumentos, pedais, afinador, etc...). Enfim, tinha bastante coisa.
Por ser duas produções diferentes e eu não saber se uma delas ai da não estava confirmada, cada produção acabou comprando suas passagens.
A empresa desse evento, por ser uma grande empresa, comprou a tarifa Top pela flexibilidade de horários e datas (era, ou é, assim que todos pensam). Já a produção do show, mais humilde, comprou com bastante antecedência em uma promoção. Ou seja eu tinha 2 passagens de ida e 2 passagens de volta. 2 de tarifa Top e outra promocional.
Como dizia, estava tranquilo na fila e, como de costume nesse universo televisivo, ouvi um grupo de pessoas comentando sobre eu estar ali. "É aquele cara", "o ator", "o cara da tv", "o motorista", "Stênio", "verdureiro", "sujeito que batia na mulher", "marido da delegada", etc...tudo isso entre risadas, e que depois de um tempo, talvez por alguma boa memória (ajudada por um google) ouvi um "Alexandre", era uma das meninas pedindo para tirar foto comigo, eu, sempre envergonhado, como sou, disse "sim", e quando vou tirar a foto ouço uma senhora dizendo "Mas tem que dar aquele sorrisão que dava na novela". Pronto fiquei mais sem graça e não consegui sorrir, no máximo fiz uma expressão simpática. Passou alguns minutos a mesma senhora começa a falar com 2 outras senhoras que a acompanhavam, num volume suficiente para que eu a ouvisse "Ah, mas ele tinha que sorrir mais", "Lá ele era mais simpático"...."Pô, tinha que dar um sorriso pelo menos", disse ela em bom som, e a minha timidez querendo se transformar em lição de moral e explicar para aquela senhora que aquilo que ela via na tv era um personagem, e que eu estava muito cansado, preocupado com muitas coisas, e que não queria sorrir, principalmente para alguém que acha que eu tenho obrigação de sorrir....mas não o fiz
A atendente do balcão da empresa TAM me chama para o check-in.

AQUI COMEÇA A HISTÓRIA E O MOTIVO DE EU ESTAR SENTADO FELIZ NUMA POLTRONA DA SAÍDA DE EMERGÊNCIA QUE NÃO RECLINA.

Como de praxe dei meu documento e disse: "Rio de Janeiro, 19:30"
Ela procurou e:
"Essa passagem está cancelada"
"Cancelada?"
"Sim. O senhor tem o localizador?"
"Tenho!" Peguei no celular e ditei à ela. 
"O Senhor não fez viajem do Rio pra Curitiba?"
A minha vontade de lhe dizer "Não, eu estou no Rio ainda" foi dominada pelo susto: "Sim, mas não vim com essa passagem, vim com uma outra"
"Ahhh, então deve ser isso. É que quando o senhor não viaja pela passagem comprada de 'ida' o sistema entende que o senhor não veio, e por isso não irá voltar"
(SISTEMA. Essa palavra será repetida muitas vezes). 
"Ah, entendi, mas é que eu vim com outra passagem. Mas irei voltar com essa"
"Perfeitamente senhor, mas como está cancelada, o senhor precisa se dirigir ao outro balcão para remarcar a passagem"
Lá fui eu tranquilamente na minha linda inocência cor-rosa, sem saber do mundo descorado que eu iria encontrar.
Expliquei o caso para o rapaz do balcão, ele atencioso, digitou o seu computador algumas vezes, e disse:
"Senhor, para remarcar a passagem terá que pagar multa, o valor de remarcação e mais a diferença do valor da passagem"
Pronto, foi o suficiente para uma fisgada da boca do estômago e o italianinho, dentro de mim, começar a atuar.
"Meu jovem, essa passagem está marcada. Ela é minha. Eu já paguei por ela (no caso a produção)"
"Sim, mas pelo fato do senhor não ter vindo com a passagem, o sistema cancelou".
"Pois descancele, pois eu estou aqui"
"Sim senhor, mas para que eu possa fazer isso o senhor precisa pagar uma multa, o valor da remarc" corto ele obviamente
"Sim, eu entendi o que vc já havia dito, mas eu não cancelei passagem nenhuma. Quem cancelou foi o sistema. Foi um computador, sem a minha ordem, portanto, não vejo motivo para que eu pague isso. Se alguém tem que pagar é o computador"
Ele não entendeu. Deixei pra lá e fui adiante, pois já estava na hora de embarque
"Quanto custa isso tudo que vc falou" (falei meio nervoso, mas ainda com aquela doce inocência de que vivia num mundo sensato.
"Vai estar custando R$ 557,00" (tá ele não falou "vai estar custando", mas eu quero escrever assim pra zoar com esse filhodaputa)
"O que? 500 pau? O valor de uma passagem nova. Eu vou ter que pagar duas vezes por uma passagem?"
Ele faz aquela cara de quem não sabe o que dizer, mas com a certeza que está certo, afinal é isso que diz o seu computador.
"Eu não vou pagar 500 paus por uma passagem que já foi paga e É MINHA".
"Mas ela foi cancelada"
"MAS NÃO FUI EU QUEM CANCELOU!" (letras maiúsculas = o bicho começou a ficar vermelho e os olhos esbugalhando). "O COMPUTADOR CANCELOU SEM A MINHA ORDEM. SE EU RESOLVI VIR COM OUTRA PASSAGEM, A PÉ, DE JEGUE OU A NADO, NINGUÉM TEM NADA COM ISSO. O SISTEMA NÃO PODE CANCELAR UMA PASSAGEM SÓ POR QUE ELE ACHA QUE EU NÃO ESTOU ONDE ESTOU"
"Vc comprou essa passagem no site(não me trata mais de senhor. Acho isso bom, por que ali são duas pessoas iguais e ninguém mais ou menos que ninguém. Não sou senhor de porra nenhuma), e no site está tudo especificado que isso pode acontecer"
Respiro fundo, fecho os olhos e lembro:
"Ahhhhh, as famosas letrinhas minúsculas nas 143 milhões de palavras que ninguém lê. Malditos! "
Lembro também que não tinha usado a passagem Top, que foi com a que vim pra Curitiba, e que pretendia não usá-la pois sempre ouvi dizer que tem esse nome "TOP" e preço BEM mais alto para que vc tenha a liberdade de mudar facilmente e sem custo extra, horário e dia em caso de urgência. Pois bem, me desapeguei desse "bônus pessoal" para voltar pra casa sem ter que pagar os 500 paus, que achava um abuso.
Dei meu número do localizador da minha passagem TOP-mega-super-power-rangers e.............o moço atendende, depois de algumas típicas tecladas em seu mestre-senhor computador, me informa:
"Essa passagem também tem um adicional"
Eu dei uma risadinha e disse "Mas vcs não perdem uma, hein? De quanto?", perguntei levemente irônico, afinal era uma passagem TOP-mega-super-power-rangers, e claro, deveria ser um adicional de uns míseros 20 ou 50 reais.
"R$ 700,00 senhor". O senhor que havia sumido voltou, junto com minha cara com a cor espanto-rubro.
"O QUE? Essa é uma passagem TOP. As pessoas pagam MUITO MAIS CARO justamente para não ter esse tipo de problema"
"Sim senhor, mas mesmo as passagens top, tem custos para mudanças"
"TÁ, MAS 700 REAIS? É mais cara a mudança da TOP, que é a mais cara, do que a promocional, que eu acabei de perguntar, e que é infinitamente mais barata? Vc está querendo me convencer que a passagem TOP não serve pra nada"
"Serve sim senhor, com ela o senhor não paga o valor de remarcação"
"Mas então como ficou mais cara que a outra?"
"Provavelmente por que a remarcação para a outra já aumentou"
"Mas como AUMENTOU? Vc me disse o valor fazem exatos 4 minutos"
"É...mas é que aumenta"
"É? MAS É QUE AUMENTA? Não pode ser! Eu não posso acreditar. Isso é inadmissível! Nós estamos falando de 4 minutos, que querido!"
Eu falando (esbravejando na verdade) e ele digitando (suando na verdade). Ele para de digitar e solta:
"É, a outra passagem, que não é a top, agora para remarcar tem um custo adicional de R$ 1.100,00. É que o vôo está quase lotado!" (Essa lógica da oferta e da procura pode e talvez deva fazer sentido em um trabalho artesanal, mas num vôo? Me parece incoerente. Se está lotado, já teve lucro e por isso o vôo está pago para a empresa. Se está vazio, é que a passagem deveria ser mais cara.....Mas querer lógica num mundo de quanto mais melhor, é risível)

"-MIIIIIILLLLLLL E CEEEEEEEM? Em 4 minutos ele teve um aumento de CEEEEEEEM POR CENTOOOOOOOOOOOO? VCS ENLOUQUECERAM? Vcs não, eu sei ..... (Olhei no crachá dele e vi o nome) Claudio a culpa não é sua, vc não tem nada com isso, mas para de olhar pra esse computador e olha pra mim", ele olhou "Claudio, eu não quero que vc leia mais esse computador. Não quero que vc me diga o que está escrito aí. Me diga vc. Por favor, o que eu, ou vc, podemos fazer para não fazermos esse absurdo? Vc está me entendendo? Nós, humanos, pensadores, não podemos compactuar com isso. Não faz sentido. Vc me entende? Me ajuda a pensar em algo que possamos fazer para que esse absurdo que o sistema, que o computador, que a empresa, que o abuso constrangedor do capitalismo não nos vença"
O Claudio, que estava suando, cansado da minha cara e não entendendo uma porra de um palavra que eu falava, e me vendo gesticulando mais que um bonecão do posto, com os esbugalhados e uma veia saltada no pescoço, me disse:
"O senhor pode tentar falar com o supervisor José"
Triste! Reparei que ele não entendeu nada. Fui reto e ereto falar com supervisor. Eu estava muito nervoso, mas ainda com a esperança de que falar com um supervisor poderia fazer com que ele compreendesse o absurdo que estava acontecendo. Cheguei meio que de maneira seca e com muita rapidez, pelo nervosismo e receio de perder o vôo:
"Supervisor José! Quem é o supervisor José?" Tinham ali com uniforme da Tam dois homens e uma mulher. Eu encarando o primeiro homem e ele me olhando sem saber o que fazer, "Vc é o José?", a mulher ao lado apontou para o outro homem, que, claro, estava no computador. Ele olhou pra mim, viu que eu já estava um tanto quanto transtornado e eu sem dar tempo de muita coisa pra ele perguntei:
"Vcs trabalham com bom senso aqui, ou apenas repetem o que está no computador?"
"Como?"
"Vcs trabalham com bom senso aqui, ou apenas repetem o que está no computador?"
"O que está acontecendo?"
Expliquei rapidamente:
"Eu estou com um problema. Comprei uma passagem, ela foi cancelada sem a minha ordem, querem me cobrar um absurdo para remarcá-la. Também tenho uma outra passagem TOP que posso usar no lugar dessa, mas também me disseram que terei que pagar um absurdo, por que o sistema entende assim." Respirei e perguntei novamente como fosse uma última chance pra me dizer se ele estava vivo ou eu estava falando com um zumbi:
"-José, eu quero saber se vcs trabalham com bom senso aqui, ou apenas repetem o que está no computador?"
Com os seus subalternos ao redor dele, talvez por se sentir ofendido ou para dar o exemplo de como se deve agir numa situação dessas (se eximir de culpa e que a gente culpe o Deus da Tam por isso), ele foi categórico: "É a norma! É a regra!"
Saí da frente dele antes que terminasse a palavra "regra". "Norma" já era o suficiente pra eu saber que não estava falando com alguém que pensa, que tem atitude, coração, boa vontade e muito menos bom senso. Lembrei da frase de Leminski a caminho do balcão que eu estava pronto e decidido a pagar a diferença. Eu tinha que viajar, pois tinha um compromisso importante no dia seguinte de manhã no Rio. Chegando lá, tinha uma outra pessoa também indignada e endiabrada, assim como eu, por terem tratado mal um cadeirante e não terem lhe dado a devida assistência necessária. O atendente Claudio, já menos nervoso com minha presença, pois a responsabilidade não estava mais com ele e sim com o "supervisor" José, me indicou o balcão principal para que eu fizesse o pagamento lá e o check-in, senão corria o risco de perder o vôo.
Atravesso o saguão olhando pra baixo, com receio de alguém querer tirar foto comigo. Não seria uma boa ideia alguém cruzar comigo naquele momento.
Cheguei no balcão principal da Tam do aeroporto. Na fila, tinham duas pessoas na minha frente, duas pessoas atendendo. Cheguei exaltado e falei alto: "Meu vôo é 19:30", já era 19:05. O atendendo me olhou, viu minha cara virada no demônio e me chamou. Eu perguntei aos dois que estavam na minha frente na fila se o caso deles também era urgente, eles disseram gentilmente (ou com medo da minha expressão) que não, eu agradeci e fui falar com o atendente. EU VOU PEGAR O VOO DAS 19:30 E VOU PAGAR 700 PAUS DE TARIFA EXTRA DA MINHA PASSAGEM TOP DE "TOP, TOP" (sim...fiz o gesto de "top, top" com as mãos, rs). Ele, CLARO, abriu o computador, foi falar com a outra nossa senhora da supervisão, voltou e disse: "O check-in pro vôo das 19:30 já fechou."
Olhei pra ele de um jeito que...que eu teria medo se alguém me olhasse assim e perguntei qual era o próximo vôo. Ele me disse que daqui 50 minutos, mas tinha escala em Guarulhos, onde eu deveria mudar de aeronave e embarcar em outra para o Rio. Uma viagem Curitiba -Rio de 3 horas e meia.


PAUSA
Agora eu estou rindo, mas juro....eu fiquei entre matar alguém da Tam, quebrar todas as instalações da Tam, subir no balcão dançar e cantar.....
Me deu aquele zumbido no ouvido que os esquizofrênicos devem ouvir. Algumas vozes dizendo faz, não faz, faz, não faz....



O que aconteceu foi que, abaixei a cabeça, fechei os olhos, perguntei quanto deveria pagar, ele mexeu na porra do computador, e me respondeu "R$ 200,00". Peguei o cartão e tive uma epifania. Sabe aquele bordão da moda "não é só pelos 20"?. Pois é, eu não estava mais preocupado com o dinheiro. É sério. Eu tenho esse dinheiro, eu tinha os 500, ou os 700. Não é um valor que me faria falta (já teve um tempo que sim, eu teria que sair do aeroporto e voltar de ônibus, mas não era mais o caso). Eu estava mesmo querendo saber se um homem poderia lutar contra um sistema. Se o ser humano poderia ser melhor que um computador. Contra um absurdo. Sei lá, coisa de imbecil tipo adolescente. Tipo dom Quixote. Com o cartão na mão eu falei, calmo (pelo menos na aparência):
"Eu queria saber se posso falar com uma pessoa?"
Claro, o atendente, não "entendente", não entendeu.
Reformulei:
"Eu quero falar com alguém que não seja um robô. Tem alguém aqui, ou só consigo falar com computadores programados?"
"O que aconteceu senhor?"
"Aconteceu que eu tentei falar com pessoas e só consegui falar com robôs"
"O que o senhor quer dizer com isso?"
Olhei seu crachá, um nome estranho, e já havia sentido um leve sotaque espanhol.
"Rafuro, vc é uma pessoa ou um robô?" (Tá, eu escrevendo isso agora tô dando risada, como eu sou imbecil, maluco de pedra. O que o cara, que não estava entendendo nada devia estar pensando?)
"Eu posso ajudar em algo?"
"Não sei Rafuro. Se vc for robô não adianta." Agora eu, o que tinha ganhado de tempo para embarcar e tinha perdido de "filtro social", ahahah. Eu dei uma pirada mesmo, e gostei disso. 
Comecei a contar a história toda, em voz alta, para que todos pudessem ouvir, a supervisora, as outras empresas, as pessoas em geral que deviam estar pensando que era uma performance teatral ou o ator de tv que acha que deve ser tratado melhor do que os outros só por que ele é "famoso". "Estrelinha metido" alguns deviam estar falando. Se fosse no Rio já teria saído em algum site ridículo "BAPHO:'Alexandre Nero faz escândalo em aeroporto".
Continuei:
"UMA PESSOA RAFURO" ele foi afundando na cadeira, e eu disse, olhando bem o crachá dele "RAFURO, NÃO TENHO NADA CONTRA VC. VC NÃO TEM CULPA. ENTENDA POR FAVOR, NÃO ESTOU BRIGANDO COM VC, EU ESTOU BRIGANDO COM ESSE MUNDO DE MERDA QUE A GENTE ESTÁ VIVENDO ONDE SÓ SABEMOS REPETIR, REPETIR E NÃO SABEMOS MAIS PENSAR. ALGUM FILHO DA PUTA ESTÁ GANHANDO MUITO DINHEIRO NAS MINHAS COSTAS, NAS SUAS COSTAS E NÓS NÃO PODEMOS FAZER NADA. NADA! NADAAAAAA! NÓS SOMOS REFÉNS, E ISSO INCLUE VC RAFURO. VC TAMBÉM É UM ROBÔ, e eu fico triste por vc.
.... e por mim, por não conseguir aceitar o que fizeram com as pessoas. 

Em filmes e livros de ficção científica sempre disseram que os robôs dominariam os homens. Inocentemente nós hoje achamos que não, por que robôs são feitos de ferro, aço e parafusos, mas nos enganamos. O robôs são muito mais modernos do que os da ficção dos livros e filmes. Eles são feitos de carne, osso, e por incrível que possa parecer, tem sangue correndo nas veias.
Eles só repetem o que um computador lhes informa, e não tem mais nada a acrescentar a não ser "são as normas".
Prestem atenção no algo mais que tento dizer aqui. É raso pensar que estou falando somente da TAM. NÃO! Estou falando de todas elas, todas as empresas que colocam "robôs" para trabalhar....TODAS elas!
Fui desolado e MUITO enfurecido para a sala de embarque. No caminho cruzei com aquela senhora (lembram? Aquela que falava para eu "dar um sorriso?"). Aquela senhora, aos meus olhos naquele momento, tinha se transformado numa VELHAFILHADAPUTA, e eu olhei pra ela, olho no olho, quase que implorando que ela me pedisse para dar um sorriso. Hoje, dando risada e calmo, eu agradeço ela ter tido medo da minha cara, ter desviado o olhar de mim e não falar nada.

A MELHOR PARTE VEM AGORA

Quando tudo parecia perdido (não a minha passagem, nem o dinheiro, mas sim a humanidade dominada por robôs), eu paro em frente ao portão de embarque número 2, que era o que o meu bilhete informava. Vi escrito "Destino - Rio de Janeiro".
Olhei o número do vôo, mas não era o mesmo. Achei estranho e fui perguntar (agora sem epifanias, rs).
"Por favor, esse vôo é para o Rio, com conexão em Guarulhos?"
"Não esse vai direto para o Rio. O senhor quer ir para Guarulhos?"
"Não eu vou para o Rio, mas perdi o......" Olhei o horário do vôo e era 19:30 (dei uma risadinha sarcástica pra mim mesmo do tipo que tem certeza que se existe um Deus ele deve ser um sacana muito do bem humorado). Eu disse para o rapaz "Eu vou para o Rio, mas me mandaram nesse com escala por que disseram que eu tinha perdido justamente esse vôo das 19:30"
"Posso ver sua passagem senhor?" Ele pegou, viu que eu tinha uma bagagem despachada e já saiu no rádio falando "Jorge, vc pode localizar uma bagagem de número tal para o vôo de número tal?" 
"Como é a sua bagagem?" Ele me perguntou
"Uma mala bem grande, azul escura"
Ele repetiu no rádio. Me deu a passagem e disse "se encontrarem a sua bagagem, talvez eu consiga te colocar nesse vôo"
Fiquei emocionado. Mesmo! Ele não tinha computador. Ele não era um robô. Ele era um ser pensante. A empresa não conseguiu transformar todos em robôs, e isso me deixou mesmo emocionado. 
Olhei bem pra ele e disse "MUITO OBRIGADO"
Ele disse: "Não posso garantir que o senhor possa pegar esse vôo. Só se acharem a sua bagagem, pois não posso colocá-lo num vôo e sua bagagem estar em outro"
Eu enfatizei o meu agradecimento: "Muito obrigado pela TENTATIVA. PELA SUA INICIATIVA"
Ele não deve ter entendido a minha enorme gratidão, afinal ele não era computador e não poderia saber o que havia acontecido no SISTEMA.
Eu estava feliz! Não me importava mesmo se ele teria sucesso na sua iniciativa. Isso era pouco importante. Fiquei feliz por saber que existem humanos ainda. Não estou falando de humanidade ou gentileza. NÃO! Isso é importante, mas NÃO BASTA! É preciso não ter sido contagiado pelas regras. Pelas NORMAS!
Ele voltou, e para minha alegria pegou minha passagem, foi me levando para o embarque, enquanto confirmava meu nome e número da bagagem. 
"Boa viagem!", ele disse.
Eu queria dar um abraço nele, do tipo "Cara, estamos vivos. Vc é um ser vivo! Existe mais gente como eu. Somos poucos, sem dúvida, minoria avassaladora, mas ainda existimos".
Mas foi apenas um "OBRIGADO MESMO. VC FOI MUITO COMPETENTE!". Nesse momento me pareceu que ele entendeu melhor meu agradecimento, pois ele deu um sorriso bom, daqueles que se enchem de orgulho. 
Entrei no avião. Estava cheio, mas não lotado. Ainda haviam 6 poltronas vazias. Eu fiquei em uma delas e comecei a escrever esse texto. Eu estava feliz novamente!

Citei nome de todos, menos do que não era robô. Sei o nome dele, mas vou contar.
Claro que me veio a ideia de escrever uma para a Tam elogiando o rapaz, e agradecendo a extrema competência, bom senso e iniciativa com que ele tratou o meu caso. Mas me pergunto: Competência e bom senso pra quem? Pra mim, sim não há dúvidas, mas para um empresa que trata gente como número, e transformam humanos em robôs, ele é o que essas empresas chamariam de "incompetente", por que traiu a norma. Depois da minha carta elogiando a iniciativa do rapaz, acredito que os robôs seriam promovidos e/ou elogiados pela empresa, e o rapaz seria demitido.
Se vc não for um robô, quando descobrir um ser humano misturado entre os robôs, não conte pra ninguém. Guarde pra si. Isso deve ser segredo nosso, pois os humanos estão sendo caçados diariamente para serem jogados na fogueira, até que sobrem apenas robôs.